O drama dos estudantes brasileiros que vão para o Exterior em busca de melhor formação e acabam escravizados nas mãos de quadrilhas internacionais.
Nove entre dez famílias brasileiras sonham um dia mandar seus filhos para o Exterior. Desejam que eles possam estudar, trabalhar, dominar mais de um idioma, conhecer outras culturas e que voltem qualificados para enfrentar um mercado altamente competitivo. É um desejo absolutamente legítimo, que tem se tornado cada vez mais possível. Nos últimos cinco anos, segundo pesquisa realizada pela Association of Language Travel Organizations, maior entidade de empresas de intercâmbio do mundo, o Brasil se transformou no quarto “exportador” de estudantes do planeta, responsável por 32% dos jovens que cruzam oceanos em busca de melhor formação, ficando atrás apenas de Japão, Espanha e Alemanha. No ano passado, pouco mais de 70 mil brasileiros deixaram o País em programas de intercâmbio. Para este ano, a estimativa é de que o número de brasileiros nesses programas supere os 94 mil. O problema é que o crescimento desse mercado trouxe consigo uma série de armadilhas até agora pouco conhecidas dos brasileiros. Ninguém está imune a elas e não são raros os casos em que o sonho se transforma em dramático pesadelo, com os jovens sendo submetidos a trabalho escravo.
Nathália e seus amigos foram vítimas de um tipo de intercâmbio que requer cuidados especiais: o Work and Travel, ou Trabalhe e Viaje. A modalidade ganhou prestígio internacional após os ataques terroristas de 2001, quando os Estados Unidos – destino preferido por 48% dos brasileiros – adotaram a política de endurecer contra os clandestinos e ao mesmo tempo ampliar o número de vistos para absorver trabalho temporário. Nesse contexto, diversos jovens são vítimas de uma quadrilha que atua basicamente na Flórida, promovendo o intercâmbio escravo. Os estudantes são impedidos de falar inglês e ganham pouco mais de 10% do salário de um trabalhador clandestino. Os donos das empresas providenciam moradia, mas cobram tarifas de luz e aluguéis extorsivos. No final do mês, a exemplo do que aconteceu com Paola, muitos ficam devendo dinheiro aos empregadores. O esquema envolve empresas de sete cidades da Flórida, segundo os relatos dos jovens, e explora centenas de pessoas.
A promessa feita pela maioria das 70 empresas que enviam estudantes para o Exterior é de um emprego digno ao longo de uma temporada de até quatro meses. Cada jovem gasta entre R$ 10 mil e R$ 12 mil com passagens, taxa de agência e outras despesas. As empresas de intercâmbio costumam cobrar R$ 3 mil de cada jovem, só de taxas. Mas nada assegura que por trás de uma fachada bem montada não haja uma arapuca. O estudante André Lima, que trabalhou um mês em Miami, diz ter conhecido vários outros brasileiros vivendo em condições subumanas. Além de Naples e Hollywood, ele diz que o esquema tem lojas em Cocoa Beach, Anna Maria Island, Clearwater e Fort Lauderdale. Uma das agências nos EUA que providenciaram os falsos empregos para os brasileiros é a Aspire Wordwide. “Esperávamos uma resposta melhor da Aspire”, lamenta Natália Payne, responsável pela Bex, agência brasileira que mandou seis jovens de Brasília para as mãos do esquema. Ela admite que os jovens pagaram taxas extorsivas. Cada um tinha que entregar US$ 71 para pagar energia elétrica na residência coletiva. Um mesmo apartamento de dois quartos acomodava até dez pessoas. Mesmo em residências coletivas, esses jovens pagaram US$ 422 de aluguel e caução. Bex e Aspire romperam o convênio assim que ISTOÉ começou a investigar o intercâmbio escravo, há três semanas.
“Não tenho o que comentar”, disse Sara Molan, a responsável pela Aspire em Laguna Beach, na Califórnia. Aras Khurshudyan, um dos empregadores identificados, também se recusou a atender a reportagem. “É lamentável que isso ocorra, mas o governo dos Estados Unidos vistoria essas agências e empresas que cuidam de intercâmbio e com certeza tomará providências”, diz Tatiana Visnevski, presidente da Brazilian Educational & Language Travel Association – entidade que congrega 70 empresas brasileiras de intercâmbio. Os pais que tiveram os filhos humilhados, no entanto, não estão dispostos a esperar que o governo americano tome providências e já planejam a adoção de uma série de processos tanto aqui como lá. A advogada Maria Bilotta, tia de Flávia Escobar, outra vítima do esquema, afirmou que os processos no Brasil serão apresentados com base no Código de Defesa do Consumidor. “As agências não cumpriram contratos e fizeram propaganda enganosa”, constata. Aos 22 anos, Flávia chegou este mês dos EUA e se diz traumatizada. “A gente não podia conversar em inglês, não podia sentar, a gente tinha que estar sempre trabalhando.” A estudante Elisa Carvalho, 21 anos, ficou irritada ao saber que ganharia US$ 6 na segunda quinzena de trabalho. “Infelizmente, tem muita gente lá que aceita essas condições por falta de opção melhor no Brasil”, diz Elisa.
Joel Stewart, advogado do consulado brasileiro em Miami diz que de fato alguns jovens brasileiros têm feito reclamações sobre as condições a que ficam submetidos, mas assegura que o problema está mais no Brasil do que nos Estados Unidos. “Esses programas não concretizam em contrato todos os detalhes necessários. A culpa é das agências brasileiras, que contratam essas pessoas e nada explicam. É uma bagunça”, acusa o advogado. Ele sugere que antes de viajar os jovens coloquem no contrato todos os detalhes do programa, como salário, condições de moradia e tipo de emprego. No Brasil, o Itamaraty pediu às famílias que apresentem denúncia formal na Divisão de Assistência Consular, em Brasília, pois assim o governo poderá promover uma ação coordenada com o governo dos Estados Unidos para coibir qualquer tipo de exploração de mão-de-obra semi-escrava de brasileiros. “Essas empresas têm que ser identificadas para que respondam juridicamente”, diz o secretário Acir Pimenta. “O Itamaraty vai instruir os postos no Exterior a fazer representações para evitar que os jovens sejam enganados”, promete.
2 comentários:
Caramba!! Q medo heim!É melhor procurar alguma referêcia da gência na hora de fechar negócio! Beijos
_Valeu pelo post, Maya! É um super favor seu para quem está começando a planejar a viagem.
_É uma pena que o estrago na imagem do programa Work and Travel já esteja feito. A Isto É prestou um desfavor à sociedade generalizando todos os tipos de intercâmbio que existem como fez nesta reportagem.
http://viagemeua.blogspot.com
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